quarta-feira, 27 de junho de 2012

… até onde a curiosidade puder nos levar

… até onde a curiosidade puder nos levar.


Módulo: Robert Wilson

… o interesse e a curiosidade referem-se a questões que giram em torno das ideias de “Jogo” em relação aos “MODELOS estéticos” abordados e os decorrentes processos de ensino e aprendizagem referentes à criação da cena contemporânea.
O primeiro modelo estético abordado apoia-se nas proposições de Robert Wilson. Neste sentido percebo que os termos “modelo” e “proposições” são fronteiriços à “princípios organizacionais”.
“Ficou claro para mim que, no mundo de Wilson, caos e ordem não são antípodas, e que na realidade funcionam de modo complementar, como um quadro e sua moldura. Sem nenhuma intenção de estragar o misterioso, o ‘maravilhoso’ em seu teatro, decidi-me então investigar os princípios organizacionais que caracterizam o processo criativo de Wilson.” (Galizia, 2004, XVIII)
Atento à ideia de “princípios organizacionais”, segue abaixo uma pequena lista observada no livro “Os processos criativos de Robert Wilson” de Luiz Roberto Galiza, no documentário “Absolut Wilson” e nos espetáculos “Fábulas de La Fontaine”, “Sonetos”, “Einstein on the beach” (ambos assistidos em DVD) e, por último, na peça teatral “A última gravação de Krap” (SESC-SP, 2012).

·         - (...) a possibilidade do uso do acaso e da improvisação como meios de se atingir resultados artísticos (Galizia, 2004, p.XXIII);
·         - (...) proporcionar situações que deem a cada pessoa a oportunidade de fazer descobertas sobre si mesma e de desenvolver a confiança em suas próprias habilidades (Galizia, 2004, p.XXVI);
·         - (...) a ideia do teatro como a combinação de todas as artes (Galizia, 2004, p.XXXIII);
- Relativo à ação dos performers:
·         Corpo Geometrizado
·         Movimentos: hiper-rápidos e/ou em câmera lenta
·         Movimentos: amplos e/ou restritos
·         Estatismo: congelamento e/ou suspensão do movimento
·         Distorção vocal: disjunção entre fala e voz

- Relativo ao espaço cênico (visual, sonoro e sensorial):
·         Espaço extremamente limpo
·         Contraluz
·         Luz que recorta os espaços – ora destacando, ora isolando
·         Atmosfera de sonho e/ou pesadelo
·         Sonoridade que cria atmosfera
·         Sensação de hipnose
·         Cena abstrata
·         Cena onírica
·         Cena paisagem

* Colocando algumas ideias em jogo:
- Atividades: Criação de Roteiros -
Roteiro 1:
- Tema Livre: "Contemplação ou Despedida enquanto se vê Marte ou Vênus"
. roteiro composto por quatro quadro de cenas, cada um com 7min. de duração,
. um performer,
. sons de um suave vento, alternando silêncios e possível som de água correndo por um riacho,
. palco com apenas um praticável colocado no fundo, à esquerda,
. ciclorama em variações de azul,
. projeções: pássaros, chuva e metade de uma canoa - esta deve aparecer três vezes: primeiro aos 7min, depois aos 14min e por ultimo aos 21min,

. AÇÃO: 1. performer agachado, de costas para o público, ouvindo o silêncio: ciclorama em azul muito claro, com círculo alaranjado projetado no alto à direita: deve durar 7min.; 2. performer em pé, de costas para o público, olhando para o ciclorama enquanto a imagem de uma canoa com uma pessoa aparece pela metade no ciclorama, a luz é de uma azul estrondoso, o circulo é projetado no alto à esquerda, sobre o performer que não se dá conta de sua aparição, som de vento suave; 3. após o total desaparecimento da canoa, o círculo alaranjado também desaparece, simultaneamente à isso, o performer lentamente vai se levantando e assumindo a imagem geometrizada no corpo como alguém que acena, e deve permanecer nesta posição por alguns minutos, fazendo pequenos espasmos nas pontas dos dedos da mão que acena, som de vento misturado com água - ambos suaves; 4. performer agachado no praticável, como se acariciasse as gotas de chuva que começam a cair suavemente, aos poucos os dois círculos alaranjados - que fazem alusão à Marte ou Vênus – vão surgindo no alto, um a direita e o outro à esquerda, o ciclorama deve estar em variações de azul, silêncio.
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A partir dos estudos focados na noção de “jogo”, no livro de Roberto Galizia, “Os processos criativos de Robert Wilson”, especialmente a série de estudos audiovisuais denominada “Vídeo 50” chamou a minha atenção. Segue abaixo alguns destes filmes encontrados no youtube:

1. “Mulher sendo assaltada”

- ver descrição da cena no livro “Processos Criativos de Robert Wilson”, de L. R. Galizia, (nº6, p.5)

  2. “Pássaro em Cartão Postal”
- ver descrição da cena no livro “Processos Criativos de Robert Wilson”, de L. R. Galizia, (nº22, p.7)


3. “Mulher Hipnotizada pela Torradeira”
- ver descrição da cena no livro “Processos Criativos de Robert Wilson”, de L. R. Galizia -nº34, p.8, L. R. Galizia.
 
Roteiro 2:
- inspirado nas proposições de Robert Wilson ao desenvolver a série “Vídeo 50”, criamos o estudo cênico denominado “Presente”.
. um performer impecavelmente vestido com roupa social,
. uma caixa de presente embrulhada de papel vermelho brilhante, amarrado com laço de fita azul,
. cadeira de madeira de linhas retas e simples,
. batente e porta pendurados à meio metro do chão,
. áudio: som de campainha; fala em off “E agora?!”
. iluminação: contraluz em variações de azul; foco circular laranja-avermelhado.
. duração: total 49min.: 7 quadros de cena; cada um com a duração de 7 min.
AÇÃO: não se sabe se o homem recebeu o presente ou se vai presentar alguém, nem se ele está do lado de dentro ou de fora da porta; o presente deve ser a metáfora do tempo “agora”. 1. (0 aos 7min) imagem desfocada, ganha definição aos poucos, sons de campainha que se repete 7 vezes; 2.(8 aos 14min) imagem nítida revela o homem sentado na cadeira, segurando um presente; 3. (15 aos 21 min) som de toque de campainha, após, voz em off “E agora?!”; 4. (22 aos 28 min) mesma imagem estática do homem sentado segurando o presente; 5. (29 aos 35 min) inicia com toque de campainha, nada acontece, o homem continua do mesmo modo, no final, outro toque de campainha após, voz em off “E agora?!”; 6. (36 aos 42 min) mesma imagem estática do homem sentado segurando o presente; 7. (43 aos 49 min) inicia com toque de campainha, o homem continua do mesmo modo, após, voz em off “E agora?!”, imagem vai aos poucos ficando desfocada, o homem segue na mesma posição, estático, segurando o presente, projeção dos créditos.

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- Em uma determinada aula, divididos em grupos, cada aluno apresentou seu roteiro para os demais. Foi escolhido um “diretor” em cada grupo, que deveria exercer tal função “à lá” Bob Wilson (= “autocrata”!). O que fizemos foi um tipo de “colagem” de momentos dos roteiros, combinados com os “princípios organizacionais” estudados a partir das leituras, observações das peças (em DVD e “Krapp” no SESC-SP) e da experimentação prática em sala de aula – que utilizou princípios de trabalho observados no “modelo estético bobwilsoniano”: 1.dança pessoal, 2.câmera lenta, 3.rápido, 4.geometria corporal, 5.forma coral, 6.foco do movimento, etc.  (vide detalhamento acima).
*
Ter a curiosidade como guia é a atitude que me move nesta jornada. Nesta primeira fase, deparar-se com a ideia de “modelo estético” e colocar-se em ação criativa, percebendo sua evidente eficácia esta sendo algo surpreendente, pois confesso que os resultados cênicos realizados pelos grupos foram incríveis!
Por hora “os perceberes” são movediços demais para firmar uma relação com a minha pesquisa. Ainda faltam outros olhares, encaminhamentos, percepções.
Então, não é o que fica, mas “o que continua”: o JOGO!
Que possamos ir até o devido lugar que este jogo puder nos levar!
*
Bibliografia:
ARAÚJO, Antônio. A encenação performativa. in Revista Sala Preta, São Paulo, v.1, nº8, 2008.
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Trad. Lígia Borges.  Revista Sala Preta,  São Paulo, v.1, n.8, pp. 197-210, 2008.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. SP: Perspectiva, 2004.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosacnaify, 2007


Fronteiras

"Fronteiras"
por Eduardo de Paula

"A individualidade emerge não como expressão pessoal, mas a partir do automatismo social. […] A repetição rompe a dicotomia entre a autenticidade individual e a mecanização social. Nem o individuo nem a sociedade são espontâneos […]" (FERNANDES, 2000, pp. 56-57)



Imersos em um cotidiano regido pelo tempo, ritmo e espaços - nos quais produtividade e sucesso são ideias que se sobrepõem e se repetem incessantemente -, os indivíduos já não percebem uns aos outros, nem quiçá percebam à si mesmos, obrigados ao cumprimento de ações ordinárias que agem como uma lente que distorce desejos e impõem outros, ditados pelo senso comum anunciado pelas mídias e seus veículos de informações massacrantes dos nossos “perceberes”.

.
Como [re]significar as ações cotidianas e fazer com que a percepção [re]aprenda a “perceber-se outra fez”, a [des]ajustar-se, mantendo-se [in]quieta e atenta?
Essas perguntas parecem pertinentes ao universo bauschiano, tanto no que diz respeito ao campo artístico quanto ao social. No primeiro, Pina Bausch parece o tempo todo querer quebrar as possíveis “muletas” que os artistas cismam em [re]utilizar, ao invés de se lançar no vazio de incertezas que todo processo criativo carrega e descobrir outras possibilidades momentâneas e instáveis, que sempre necessitarão expandir-se e/ou desfazer-se de certezas. Esse traço de [in]quietude parece ser uma questão ampliada ao “campo social” (espectadores) que, ao  relacionarem com as obras artísticas contemporâneas, devem quebrar seus paradigmas e [re]encontrar novos parâmetros para tentar se relacionar com elas.
 
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"Mediante a repetição de movimentos e/ou palavras, suas obras expõem a ruptura, em vez de correspondência, entre expressão e percepção. As repetições provocam mudanças nos eventos ou sequencias, insistindo na constante perda da dança em sua natureza performática, em vez de tentar preservá-la." (FERNANDES, 2000, p.32)
A partir da perspectiva na qual as fronteiras que imbricam arte e vida se diluem ou simplesmente não mostram seus limites, gostaríamos de evidenciar alguns conceitos presentes e norteadores das ações criativas de Pina Bausch, estabelecendo-os como “modelo de ação pedagógicos” propositores de processos criativos. Então, tendo Pina Bausch e o Wupertal Dança-Teatro como “Modelo de Ação Pedagógico”, traçaremos um breve mapeamento de procedimentos utilizados em seus processos criativos:
 
1. “Pergunta” & “Cena Resposta”: Pina Bausch propõe um pergunta simples para que seus dançarinos improvisem e, posteriormente criem uma cena resposta.

Pergunta como estímulo criativo
 
2. “Repetição”:
"Repetição é um método e um tema crucial na dança-teatro de Bausch. Por meio da repetição de movimentos e de palavras, Bausch parece confirmar e alterar as tradições da dança-teatro alemã, explorando a natureza da dança e do teatro e suas implicações psicológicas." (Fernandes, 2000, p.21)

Repetição e Transformação
 
3. “Depoimentos Pessoais”: a partir das memórias individuais.
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4. “Coreografia Matriz” ou “Pina Ensina”: a cada três ou quatro ensaios, Pina Bausch levava uma pequena coreografia para que todos apre[e]ndessem.
5. “Estranhamento”: disjunção entre a ação corporal e a ambiência; o ambiente estranha o gesto e/ou o gesto estranha o ambiente; ou ainda, o estranhamento causado pela contradição entre fala e gesto, p.ex. em "1980",
"Em 1980, quando Anne Marie Benati 'corre em círculos no palco cinquenta vezes, gritando ‘Eu estou cansada’, fica cansada de verdade (...) A artificialidade da re-presentação inicial, falando o que não sente, torna-se uma experiência real por meio da mecânica repetição." (FERNANDES, 2000, p.53)
Orientações dadas a seus dançarinos:
  • "seja você mesmo!"
  • "não represente!"
  • "seja justo ao tema mas não seja óbvio."
  • "mente vazia para as ideias: nao intelectualize; dê vazão às sensações.”
  • "seja simples."
  • "não banalizar."
  • "não ser abstrato."
  • "não caricaturar."
Além deste pequeno mapeamento, partimos para algumas experimentações práticas em sala de aula, após ter assistido, analisado e discutido:
2. Pina 3D
4. 1980

A prática proposta norteou-se por três frentes:
- 1ª) “proposição corporal” ou “trabalhar com o modelo”: após assistir/estudar um determinado vídeo de referencias, cada um deve escolher um momento que mais se interessou e aprender uma pequena sequencia de movimentos; levar para a sala de ensaio e transmitir aos outros.
- 2ª) “transformar o modelo” ou “pessoalizar”: após ter se apropriado de uma determinada sequencia de movimentos, cada um deve criar momentos anteriores e posteriores, transformando a “matriz” em outra matéria, “pessoalizando” de modo antropofágico; após isso, cada um deveria sequenciar, estabelecendo nova coreografia.
- 3ª) “Função Coreógrafo”: após, individualmente, cada um ter estabelecido sua coreografia, são juntados em pequenos grupos, no qual um indivíduo deve assumir o papel de coreógrafo; um de cada vez apresenta sua coreografia e, posteriormente, o coreógrafo “ordena” a partir de suas conexões e olhares enquanto artista criador.
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- Micro conclusão -
Destas experimentações fica o valor e a potência de se trabalhar com o “modelo de ação artístico e pedagógico”, pois ele torna o grupo de indivíduos envolvidos no processo criativo mais consciente das matérias artísticas e seus pressupostos colocados em jogo ao mesmo tempo em que [trans]forma as referências que poderiam apenas ser transmitidas oralmente e/ou teóricas e práticas em, também, audiovisuais e práticas, modificando todo o campo referencial.


- Bibliografia -

CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: um filme de Pina Baush. Artigo publicado na Fenix: Revista de História e Estudos Culturais, 2007.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro: Repetição e Transformação. São Paulo, HUCITEC, 2000.
PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. SP, Perspectiva, 2003.


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- Entrevista -

Jô Soares entrevista Regina Advento :


Regina Advento no Jô

 






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